Hoje enlouqueci. Sentindo-me nada, saí de casa decidida a ser livre. Saí pela noite das profundezas onde vivo perdida de mim. Saí para voar. Podia ser a última noite, mas ia voar. Atravessei Lisboa pelo meio dos carros, sem me desviar, olhando-os nos olhos quando se dirigiam para mim. Marquês de Pombal, véspera de feriado à noite. Com uma garrafa vazia na mão ousei ser livre. E, no meio dos carros atónitos ao verem-me passear sem destino, no meio do trânsito, sem respeitar as regras que se aprendem na infância, não sentia os olhares nem os risos de quem me via ao longe, do passeio, esperando a sua vez de atravessar a estrada. Atirei a garrafa que rebolou sem se partir, corri atrás dela, voltei a agarra-la. Caminhei por entre os faróis sem medo. Depois de tudo ter perdido, o medo desvaneceu-se. Na minha liberdade não havia espaço para os comentários que iam surgindo em quem me via, comentários que não ouvia:
-Está louca
-Estaremos nós todos loucos?
Apenas ausência. Esquecimento.
Vazio.
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